quarta-feira, 10 de abril de 2019

Daison Pontes, o zagueiro que levou a fama de ser o "carniceiro gaúcho" era na verdade um grande zagueiro vítima de "contradições pessoais"



 
Daison, segundo Ostermann, era um grande jogador, "um imenso zagueiro prejudicado por contradições pessoais".

Daison, funcionário público, faleceu em Passo Fundo aos 74 anos.
Pesquisa e texto: Conselheiro X


Daison Pontes. O nome desse jogador está na memória dos mais antigos, aqueles que acompanhavam o futebol gaúcho nas décadas de 60 e 70. O motivo não era exatamente a sua técnica futebolística, embora todos reconhecessem que era, sim, um jogador habilidoso e excelente no trato com a bola. Só não era excelente no trato com os adversários, aos quais não media gentilezas quando se aproximavam da grande área. Pontapés, caneladas, encontrões , cotoveladase socos faziam parte do, digamos, estilo “daisoniano” de praticar futebol. Assim, ao longo do tempo, Daison Pontes se tornou um símbolo do futebol violento e detentor de um recorde no futebol brasileiro: foi expulso de campo nada menos do que 18 vezes. Chegou a jogar no Flamengo do Rio, mas foi dispensado ao final de três meses, pelas entradas violentas até mesmo nos treinos.
Daison – que era irmão mais velho de Bibiano Pontes, daquele time de ouro do Internacional, e também de João Pontes – certamente é lembrado pelo árbitro José Luís Barreto, se este estiver vivo depois de tantos anos. Era o domingo de 20 de novembro de 1974, pelo campeonato gaúcho – e o Gauchão, naqueles tempos, tinha uma certa ferocidade que alguns entendiam como virilidade, ou a tal “macheza gaúcha”. E naquele ano a vida dos árbitros não estava sendo nada fácil dentro de campo. Tudo bem que as arbitragens deixavam muito a desejar, mas o futebol é um esporte praticado com as pernas e não com os braços, ou, sobretudo, os punhos.
Talvez Daison Pontes não entendesse bem isso durante aquele jogo, em Santa Maria, entre o Inter de Santa Maria e o Gaúcho de Passo Fundo, apitado por Barreto. O time visitante vencia por 1 a 0 quando o árbitro, irritado com as jogadas duras da zaga do Passo Fundo, advertiu seus jogadores, pedindo que maneirassem nas divididas, caso contrário teria que marcar alguns pênaltis. Nove minutos antes do Gaúcho fazer o seu gol José Luis Barreto cumpriu a promessa, marcando uma penalidade máxima a favor do Inter de Santa Maria, cobrada e desperdiçada por Tadeu.  Vendo que seu apelo de não-violência não surtira nenhum efeito e que a zaga do Gaúcho continuava a baixar o sarrafo, aos 14 minutos do segundo tempo o árbitro marcou novo pênalti a favor do time da casa, desta vez praticado por ele, o temível e famoso zagueiro das entradas duras. Daison atingiu violentamente, por trás, o santa-mariense Edson, derrubando-o no gramado.
Acontece que Daison já havia dito a seus companheiros que, caso Barreto prejudicasse seu time, iria até ele e lhe daria um soco na cara. E foi exatamente o que fez: marchou até o juiz da partida e acertou-lhe um soco no rosto, abaixo do olho esquerdo e mais alguns pontapés nas canelas. Tonto e sangrando, o árbitro ainda conseguiu sacar o cartão vermelho, expulsando o zagueiro do Gaúcho de Passo Fundo. Em meio à confusão que se seguiu, com dirigentes e brigadianos invadindo o campo, Daison escapou e não mais foi visto naquele dia: dizem que fugiu da prisão em flagrante, pegando um táxi e se mandando para a vizinha cidade de Júlio de Castilhos. Quanto a José Luís Barreto, recusou ser medicado, passou um lenço no rosto e continuou apitando. O pênalti foi cobrado e desta vez convertido. Mas o jogo – que terminaria em 1 a 1 – ainda teve o jogador Leivinha, também do 
Gaúcho, expulso de campo.
Ao contrário do que provavelmente ocorreria nos dias de hoje, o zagueiro brigão não foi execrado e sim cumprimentado pelo seu ato de pugilismo, conforme descreveu o correspondente da Companhia Jornalística Caldas Júnior em Passo Fundo. “O zagueiro Daison Pontes só recebeu aplausos quando apareceu, ontem pela manhã, no centro da cidade. Durante todo o dia foi cumprimentado pelo soco que deu no juiz José Luís Barreto.” O diretor de futebol do Gaúcho foi mais adiante em suas declarações à imprensa: “Infelizmente eu não estava em Santa Maria, senão o Barreto apanharia de mim também. Todo mundo está roubando do Gaúcho e alguém tem que tomar providências. Nós compreendemos a atitude de Daison pois demonstrou que é um jogador que atua com garra, sangue e amor à camiseta. Se alguém não modificar as arbitragens, muito juiz vai apanhar”. Até mesmo o comedido comentarista esportivo, Ruy Carlos Ostermann, em sua coluna no Correio do Povo, disse entender as razões de Daison: “O futebol exige a violência. Zagueiro que joga apalpando acaba se machucando, serve apenas para incentivar os maus propósitos do centro-avante. Gosto de uma frase de Moisés, do Vasco: zagueiro não pode querer o Belfort Duarte (prêmio para os jogadores mais disciplinados) É preciso impor respeito, jogar na bola e palmo e meio adiante dela. A dificuldade é pequena: quem sabe, bate e se faz respeitado”.
Em janeiro de 1976, quando da despedida de Bibiano Pontes do Inter, Ruy Carlos Ostermann citou Daison Pontes em outra crônica: “Conheci o irmão de Bibiano, o Daison, um imenso zagueiro de área prejudicado por inúmeras contradições pessoais, mas de grande personalidade. Não a personalidade comum, organizada: era a personalidade para o gesto forte, para a empolgação.”
O soco em Barreto custou caro a Daison, punido com 1 ano e meio de afastamento dos campos, dos quais seis meses acabaram perdoados. Daison Pontes morreu em 2012, aos 74 anos, vítima do mal de Alzáimer, em sua casa em Passo Fundo, onde era funcionário público aposentado. 

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