quarta-feira, 27 de março de 2019

Integração dos Anjos, na Ipiranga: um importante trabalho social que poucos conhecem

Rachel e Fábio: os dois eram crianças carentes da antiga Vila Placa. Hoje dirigem a Associação.


Quem passa pela avenida Ipiranga (número 3780, entre as rua La Plata e a praça General Tibúrcio), no lado do Botânico, vê uma construção onde, muitas vezes, se avistam crianças brincando, acompanhadas por atendentes uniformizadas. Em cima, uma grande placa com os seguintes dizeres: Associação Integração dos Anjos. Imagina-se uma grande creche, um centro comunitário, uma escola, algo assim.
Porém, entrando-se pelo estreito portão o que se vê são centenas de crianças e adolescentes de até 15 anos que participam e são beneficiados por um projeto modelo que tem mais de 30 anos de existência, um mundo particular voltado para os mais carentes, muitos deles provindos do Jardim Botânico: é a Organização Não Governamental, ONG, Associação Integração dos Anjos, criada oficialmente em 26 de setembro de 2003 e localizada aonde, antigamente, era a escola de samba Embaixadores do Ritmo, terreno mais tarde adquirido pela Prefeitura de Porto Alegre via Orçamento Participativo, o OP.
A sede da Organização conta com cerca de 900 metros de área construída e mais de 200 alunos ou frequentadores diários, de segunda às sextas-feiras (8 às 18 horas), muitos deles crianças com menos de um ano de idade, filhos de famílias carentes do Botânico, do Partenon, da Cachorro Sentado, da Vila Sossego e demais comunidades populares mais próximas. Entre estas uma se destaca na história da Associação, a origem de tudo – uma vila,  que não é mais vila e que se chamava, não faz muito, Vila das Placas, na vizinhança da praça General Tibúrcio, e que hoje é o Condomínio dos Anjos – pequeno conjunto de edifícios. A Vila das Placas “enfeiava” a paisagem da avenida tempos atrás, com sua pobreza e abandono, até finalmente ser urbanizada, com a construção de moradias dignas para os seus habitantes.

A criançada em mais uma atividade diária. Eles ficam na Integração em turno integral.


SÓCIO-FUNDADOR - Fábio Evandro Pereira de Souza, 33 anos, é o presidente desta entidade – e não o  é à toa: criança carente, ele, em sua infância, foi beneficiado pela ONG em seus primeiros tempos, e jamais abandonou a instituição que hoje preside e da qual foi sócio fundador. O mesmo acontece com a diretora Raquel Souza, de 31 anos. Os dois são oriundos da Vila das Placas. Fábio, funcionário da Prefeitura, é considerado voluntário e não ganha salário, mas comparece diariamente à Integração, a qual se orgulha ter impulsionado até o patamar onde hoje está.
Fábio explica o que é o trabalho e quais são os objetivos da Integração dos Anjos, naquilo que define como seus “três eixos” centrais: “A luta pela moradia (de 80 famílias que residiam na vila, já resolvido), a educação infantil e o serviço de convivência e fortalecimento de vínculos”. Pode parecer um palavreado um tanto vazio e pomposo, mas que retrata, fielmente, o dia-a-dia da entidade, amparo e apoio de pais que muitas vezes pouco ou quase nada têm a oferecer – inclusive alimentação – para seus filhos pequenos. São as chamadas famílias em “situação de vulnerabilidade social” e que a crise econômica brasileira atinge ainda mais cruelmente.
Hoje, na Integração dos Anjos, são 133 alunos na educação infantil (de 0 a 6 anos), mais 120 no serviço de convivência e fortalecimento de vínculos, SCV (6 a 15 anos). As crianças da educação infantil contam com turno integral – ou seja, entram às 8 horas e saem às 18. As inscrições, no caso, são feitas nos meses de outubro e novembro (a ONG só não funciona no mês de janeiro), com o comparecimento dos pais ou responsáveis, os quais preenchem um cadastro com dados pessoais e cuja somatória de pontos (no caso, o mais vale menos) define a admissão – renda total, se são beneficiários do Bolsa Família, etc. “Hoje nós temos uma lista de espera de 120 nomes de crianças de zero a seis anos”, informa Fábio. Muitos destes meninos e meninas são encaminhados pelo Conselho Tutelar.

A equipe da cozinha: trabalho intenso para alimentar mais de 200 pessoas todo dia.


QUATRO REFEIÇÕES - O dia, na ONG, começa com o lanche da manhã e termina com um no final do dia – ao total, são quatro alimentações diárias, incluindo aí o almoço. Para as famílias, a maioria de baixíssima renda, isto é um desafogo e tanto no orçamento, algo que lhes permite continuar sobrevivendo e sonhando.
Dos 27 funcionários efetivos muitos são educadores (12 na educação infantil), cozinheiras e dos serviços gerais. Há ainda 84 voluntários que vêm três horas por semana – psicólogos, professores de arte, de informática, de música, entre outros. “Esses voluntários qualificam o atendimento”, garante o presidente Fábio. Tal equipe se distribui por sete salas, dois berçários (10 crianças cada) de 6 meses a 5 anos e 11 meses, um centro de informática (o equipamento foi doado pelo Colégio Bom Conselho), cozinha, salão de jogos, refeitório, biblioteca, salas de atividades, parte administrativa e uma quadra poliesportiva onde se pratica futebol, vôlei e patinação. Há, além disso, mesas de sinuca, biscuit, videogames e muita recreação.   
Como se faz tudo isso e qual o seu custo, pode-se perguntar, com todo direito. Tanto Fábio como Raquel explicam que o grande segredo são os convênios, não apenas com a Secretaria Municipal de Educação, SMED, e com a FASC (Fundação de Assistência Social e Cidadania) como também com o Banco de Alimentos, a Mesa Brasil, a CEASA e o Colégio Bom Conselho. “Somente com folha de pagamento gastamos 40 mil, sem falar nas demais coisas”. Mesmo assim, a Integração não tem nenhum veículo, nenhum carro à disposição, e a manutenção do que é avariado (como parte do telhado do prédio, em um dos últimos temporais) precisa ser paga em dinheiro.
LIMPEZA - Fábio e Rachel conduzem o repórter por todo o interior do prédio, que surpreende pelo tamanho e pelo número de ambientes, algo que não se percebe para quem está passando pela calçada da Ipiranga. Há ambientes escuros, onde bebês dormem vigiados por atendentes, muitos equipamentos – incluindo uma coleção de patins – e muitas mochilas. Algo chama a atenção: em meio a tanta coisa o que ressalta é a limpeza de todo o local, interno e externo (o externo, por sinal, bem protegido). Fábio lembra que tal fator, a higiene, a limpeza, é essencial, já que lidam com crianças e adolescentes. “Temos que cuidar, há vistorias dos órgãos especializados, as Secretaria da Saúde, cuidamos muito disso”.
Outra coisa que a ONG preza, e muito: a prestação de contas da sua parte financeira e a questão dos registros, ambos fundamentais para se firmar as parcerias. “Temos todos os registros exigidos e prestamos contas todo mês”, destaca.
A Integração dos Anjos, mesmo assim, precisa da ajuda da comunidade à sua volta. Doações, sobretudo, são bem vindas. Mas, como ele faz questão de convidar, “antes venham  nos conhecer antes, venham ver o nosso trabalho, o que a gente faz, os nossos alunos”.
Associação Integração dos Anjos – Avenida Ipiranga, 3780. Tel.: 3352-8890

Os alunos provêm das redondezas: JB, Partenon, sobretudo.

O sorriso do garoto, em um ambiente limpo e descontraído.


Turno Invertido, para combater a vulnerabilidade social
O segundo e não menos importante trabalho da Associação Integração dos Anjos é o chamado “turno inverso”, voltado para crianças e adolescentes de 6 a 15 anos em situação de vulnerabilidade social e que faz parte do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, algo que não é propriamente uma novidade, pois já existe em outros locais de Porto Alegre nos mesmos moldes. Como explica o presidente Fábio Evandro, são meninos e meninas que estudam nos colégios das redondezas e, após o término das aulas, vêm para a Integração como forma de lazer e de preenchimento. Aqui eles se alimentam, praticam esportes e outras atividades recreativas e culturais (há inclusive uma oficina de percussão). São cinco turmas, totalizando 120 alunos, um convênio com a FASC municipal (Fundação de Assistência Social e Cidadania).

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