Rachel e Fábio: os dois eram crianças carentes da antiga Vila Placa. Hoje dirigem a Associação. |
Quem passa pela avenida Ipiranga (número 3780, entre as rua
La Plata e a praça General Tibúrcio), no lado do Botânico, vê uma construção
onde, muitas vezes, se avistam crianças brincando, acompanhadas por atendentes
uniformizadas. Em cima, uma grande placa com os seguintes dizeres: Associação Integração
dos Anjos. Imagina-se uma grande creche, um centro comunitário, uma escola,
algo assim.
Porém, entrando-se pelo estreito portão o que se vê são
centenas de crianças e adolescentes de até 15 anos que participam e são beneficiados
por um projeto modelo que tem mais de 30 anos de existência, um mundo
particular voltado para os mais carentes, muitos deles provindos do Jardim
Botânico: é a Organização Não Governamental, ONG, Associação Integração dos
Anjos, criada oficialmente em 26 de setembro de 2003 e localizada aonde,
antigamente, era a escola de samba Embaixadores do Ritmo, terreno mais tarde
adquirido pela Prefeitura de Porto Alegre via Orçamento Participativo, o OP.
A sede da Organização conta com cerca de 900 metros de área
construída e mais de 200 alunos ou frequentadores diários, de segunda às
sextas-feiras (8 às 18 horas), muitos deles crianças com menos de um ano de
idade, filhos de famílias carentes do Botânico, do Partenon, da Cachorro
Sentado, da Vila Sossego e demais comunidades populares mais próximas. Entre
estas uma se destaca na história da Associação, a origem de tudo – uma vila, que não é mais vila e que se chamava, não faz
muito, Vila das Placas, na vizinhança da praça General Tibúrcio, e que hoje é o
Condomínio dos Anjos – pequeno conjunto de edifícios. A Vila das Placas
“enfeiava” a paisagem da avenida tempos atrás, com sua pobreza e abandono, até
finalmente ser urbanizada, com a construção de moradias dignas para os seus
habitantes.
A criançada em mais uma atividade diária. Eles ficam na Integração em turno integral. |
SÓCIO-FUNDADOR - Fábio Evandro Pereira de Souza, 33
anos, é o presidente desta entidade – e não o é à toa: criança carente, ele, em sua
infância, foi beneficiado pela ONG em seus primeiros tempos, e jamais abandonou
a instituição que hoje preside e da qual foi sócio fundador. O mesmo acontece
com a diretora Raquel Souza, de 31 anos. Os dois são oriundos da Vila das
Placas. Fábio, funcionário da Prefeitura, é considerado voluntário e não ganha
salário, mas comparece diariamente à Integração, a qual se orgulha ter
impulsionado até o patamar onde hoje está.
Fábio explica o que é o trabalho e quais são os objetivos da
Integração dos Anjos, naquilo que define como seus “três eixos” centrais: “A
luta pela moradia (de 80 famílias que residiam na vila, já resolvido), a
educação infantil e o serviço de convivência e fortalecimento de vínculos”.
Pode parecer um palavreado um tanto vazio e pomposo, mas que retrata, fielmente,
o dia-a-dia da entidade, amparo e apoio de pais que muitas vezes pouco ou quase
nada têm a oferecer – inclusive alimentação – para seus filhos pequenos. São as
chamadas famílias em “situação de vulnerabilidade social” e que a crise
econômica brasileira atinge ainda mais cruelmente.
Hoje, na Integração dos Anjos, são 133 alunos na educação
infantil (de 0 a 6 anos), mais 120 no serviço de convivência e fortalecimento
de vínculos, SCV (6 a 15 anos). As crianças da educação infantil contam com
turno integral – ou seja, entram às 8 horas e saem às 18. As inscrições, no
caso, são feitas nos meses de outubro e novembro (a ONG só não funciona no mês
de janeiro), com o comparecimento dos pais ou responsáveis, os quais preenchem
um cadastro com dados pessoais e cuja somatória de pontos (no caso, o mais vale
menos) define a admissão – renda total, se são beneficiários do Bolsa Família,
etc. “Hoje nós temos uma lista de espera de 120 nomes de crianças de zero a
seis anos”, informa Fábio. Muitos destes meninos e meninas são encaminhados
pelo Conselho Tutelar.
A equipe da cozinha: trabalho intenso para alimentar mais de 200 pessoas todo dia. |
QUATRO REFEIÇÕES - O dia, na ONG, começa com o lanche
da manhã e termina com um no final do dia – ao total, são quatro alimentações
diárias, incluindo aí o almoço. Para as famílias, a maioria de baixíssima
renda, isto é um desafogo e tanto no orçamento, algo que lhes permite continuar
sobrevivendo e sonhando.
Dos 27 funcionários efetivos muitos são educadores (12 na
educação infantil), cozinheiras e dos serviços gerais. Há ainda 84 voluntários
que vêm três horas por semana – psicólogos, professores de arte, de
informática, de música, entre outros. “Esses voluntários qualificam o
atendimento”, garante o presidente Fábio. Tal equipe se distribui por sete
salas, dois berçários (10 crianças cada) de 6 meses a 5 anos e 11 meses, um
centro de informática (o equipamento foi doado pelo Colégio Bom Conselho),
cozinha, salão de jogos, refeitório, biblioteca, salas de atividades, parte
administrativa e uma quadra poliesportiva onde se pratica futebol, vôlei e
patinação. Há, além disso, mesas de sinuca, biscuit, videogames e muita
recreação.
Como se faz tudo isso e qual o seu custo, pode-se perguntar,
com todo direito. Tanto Fábio como Raquel explicam que o grande segredo são os
convênios, não apenas com a Secretaria Municipal de Educação, SMED, e com a
FASC (Fundação de Assistência Social e Cidadania) como também com o Banco de
Alimentos, a Mesa Brasil, a CEASA e o Colégio Bom Conselho. “Somente com folha
de pagamento gastamos 40 mil, sem falar nas demais coisas”. Mesmo assim, a
Integração não tem nenhum veículo, nenhum carro à disposição, e a manutenção do
que é avariado (como parte do telhado do prédio, em um dos últimos temporais) precisa
ser paga em dinheiro.
LIMPEZA - Fábio e Rachel conduzem o repórter
por todo o interior do prédio, que surpreende pelo tamanho e pelo número de
ambientes, algo que não se percebe para quem está passando pela calçada da
Ipiranga. Há ambientes escuros, onde bebês dormem vigiados por atendentes,
muitos equipamentos – incluindo uma coleção de patins – e muitas mochilas. Algo
chama a atenção: em meio a tanta coisa o que ressalta é a limpeza de todo o
local, interno e externo (o externo, por sinal, bem protegido). Fábio lembra
que tal fator, a higiene, a limpeza, é essencial, já que lidam com crianças e
adolescentes. “Temos que cuidar, há vistorias dos órgãos especializados, as
Secretaria da Saúde, cuidamos muito disso”.
Outra coisa que a ONG preza, e muito: a prestação de contas
da sua parte financeira e a questão dos registros, ambos fundamentais para se
firmar as parcerias. “Temos todos os registros exigidos e prestamos contas todo
mês”, destaca.
A Integração dos Anjos, mesmo assim, precisa da ajuda da
comunidade à sua volta. Doações, sobretudo, são bem vindas. Mas, como ele faz
questão de convidar, “antes venham nos
conhecer antes, venham ver o nosso trabalho, o que a gente faz, os nossos
alunos”.
Associação Integração
dos Anjos – Avenida Ipiranga, 3780. Tel.: 3352-8890
Os alunos provêm das redondezas: JB, Partenon, sobretudo. |
O sorriso do garoto, em um ambiente limpo e descontraído. |
Turno Invertido, para combater a vulnerabilidade social
O segundo e não menos importante trabalho da Associação
Integração dos Anjos é o chamado “turno inverso”, voltado para crianças e
adolescentes de 6 a 15 anos em situação de vulnerabilidade social e que faz
parte do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, algo que não é
propriamente uma novidade, pois já existe em outros locais de Porto Alegre nos
mesmos moldes. Como explica o presidente Fábio Evandro, são meninos e meninas
que estudam nos colégios das redondezas e, após o término das aulas, vêm para a
Integração como forma de lazer e de preenchimento. Aqui eles se alimentam,
praticam esportes e outras atividades recreativas e culturais (há inclusive uma
oficina de percussão). São cinco turmas, totalizando 120 alunos, um convênio
com a FASC municipal (Fundação de Assistência Social e Cidadania).
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