quarta-feira, 3 de abril de 2019

Que saudades do Itamar!

Charge de Reinaldo, retirada da Internet.

Conselheiro X

Nunca fui noveleiro – na real, acho que só assisti, e não toda, a velha Irmãos Coragem, a original, com Tarcísio Meira e Glória Menezes e a Regina Duarte (mais o Cláudio Marzo, o Cláudio Cavalcanti etc) quando era bem menino. Morávamos no mato, mato mesmo – em reserva indígena da Funai, aqui mesmo no RS, lá por 71 – e meu pai havia acabado de comprar uma televisão (preto e branco, com válvulas, botão de vertical, horizontal, cor, era o que havia) e ver tevê, naquela época, tinha todo o encantamento que não tem hoje.
Televisão era algo caro naqueles primórdios, e o velho a comprou em 20 prestações, vejam só. Até hoje a música tema da novela de Janete Clair -“irmão, é preciso coragem!” – permanece na minha mente como uma espécie de delicioso hit.  À tarde havia, na TV Gaúcha, a única captada naqueles cafundós, a Sessão das Duas, com filmes de aventura, sem falar nos seriados como Nacional Kid, Zorro, Bat Masterson, Guerra Sombra e Água Fresca, Tarzã. Desses tempos da pedra lascada outra música que me ficou foi a do Bat Masterson: “No velho oeste ele nasceu/ e entre bravos se criou...”
Mas falei em novelas, e voltemos a elas, hoje tão sofisticadas e com tramas intrincados, com um inegável padrão de qualidade que só a Globo sabe dar e que tornou a emissora famosa no mundo inteiro justamente por sua teledramaturgia. Como disse, mesmo sem ser noveleiro (nada contra quem é, claro) às vezes faço umas paradinhas para ver determinadas cenas, e foi assim que passei a dar umas vislumbradas em Verão 90, novela situada, obviamente, nos anos noventa e que, diz o Ibope, está dando uma excelente audiência para a Globo no horário que antecede o Jornal Nacional. Ontem, sábado, vi quase um capítulo inteiro, e achei uma delícia, pois as cenas se passavam em uma festa típica daquela década, em uma boate, e a rapaziada curtia todos os sucessos da época, incluindo aí Tim Maia, Cazuza, o pagode, o rock nacional inteirinho – foi como viajar no tempo através da trilha sonora, com direito a referências a filmes de então – “hasta la vista, bêibi”, lembram?, do Exterminador do Futuro (quem não disse essa frase...) As roupas da moda, a alegria da garotada, a visão do velho três-em-um, o toca-fitas, as câmeras fotográficas com filme, de repente eu – que não sou saudosista – entrei no túnel do tempo e voltei aos meus 30, trinta e poucos anos.
Aí pensei o que achava impensável e até meio piegas: será que nós éramos felizes e não sabíamos? Ou até sabíamos? Afinal, já se passaram mais de duas décadas, e veio uma nova geração, outra se encaminha por aí, geração tecnológica até a medula, com seus tablets, notebuques, uatzap, feicebuque, aplicativos, instagram, selfis, tuíter, gugol, o escambau, uma gente que caminha pelas ruas olhando hipnoticamente para as telinhas, teclando mensagens, recebendo fotos, vídeos e nudes instantâneos, e que sequer imagina que houve sim um tempo, naquelas hoje priscas eras, em que se saía de casa sem celular, sem tablets, simplesmente porque não havia celular e nem internet. Para estes infantes da telinha azul é difícil, quase incrível, inverossímil até, acreditar que existiu essa nossa era pré-tecnológica em que os celulares não tocavam nas boates e nas ruas, como para nós era igualmente difícil imaginar o mundo de nossos pais, sem televisão, com homens que só andavam de sapato e usavam chapéus e ouviam rádios de ondas curtas. Um tempo, o nosso, em que saíamos às ruas e ninguém nos achava – e nem, como hoje, precisávamos mentir onde estávamos ou não – e os telefones fixos e os orelhões públicos eram a única forma de comunicação instantânea (pasmem, existiu também uma profissional chamada “telefonista”, extinta como os dinossauros e o homem de Neandertal) e – em vez do buscador do tio Google consultávamos a lista telefônica para encontrar o nome, o endereço e o número de qualquer sujeito que fosse assinante da CRT. Luís Fernando Veríssimo? Tava lá: rua Felipe de Oliveira, 1415.
Falei na novela Verão 90, e de certa forma me encontrei ali, ao ver as cenas em que ninguém fala ao celular e é tudo olho no olho e se conversa muito, cara a cara, olho no olho, sem perfil falso. Foi, confesso, aí que me bateu uma certa onda de saudosismo meio besta e demodê, o que me reportou o seguinte raciocínio pouco lógico: posso estar viajando no patê de galinha, mas acho que nós, naquela época, éramos menos ansiosos, mais tranquilos e calmos e o próprio tempo passava mais devagar,  não havia esse turbilhão de informações de 2019 e que hoje nos desnorteiam a cada instante. Aliás, estudos médicos comprovam que a rapaziada que passa o dia na frente do computador, teclando, acessando e falando com tudo e com todos, é muito mais ansiosa e talvez até bem mais infeliz e deprimida do que nós fomos. Mais sério ainda é o caso das crianças, sobretudo as de apartamento – estão ficando gordas e ansiosas também, expostas a esse redemoinho de informações, dormindo cada vez menos e passando por vezes noites inteiras na frente de uma telinha.
De certa maneira, é contraditório estar usando a Internet para dizer isso, e reclamar da tecnologia se valendo dela, mas na verdade não resta agora outra opção.  A propósito: esses dias fui até um grande jornal aqui de POA e fiquei de longe olhando o pessoal da redação, tão silenciosa, tão inodora, insípida e incolor, com todos eles, jornalistas, homens e mulheres (hoje mais mulheres que homens) fechados em suas próprias redomas, sem aquela alegria que tínhamos ao fazer uma boa matéria – nem falo do incrível e barulhento tempo das máquinas de escrever no horário de fechamento, quando havia uma espécie de transe enlouquecedor que depois se resolvia com os mais afins rumando para um buteco eleito e comentando o que tinham feito naquele dia. Hoje, pelo que eu sei, os jornalistas saem da redação e vão para a academia – é bem mais saudável, é verdade, mas...
Pois é, falando em mas, poréns, todavias, acho que vou continuar, sim, assistindo essa novelinha da Globo e ouvindo “o tempo não para” do Cazuza ou “inúteis, nós somos inúteis” (e será que não somos?). Todavia, seria bom que ele, o Tempo, parasse um pouco, um pouquinho só, lá de vez em quando, ao menos dava uma folga para a gente respirar ares mais puros e saudáveis. Hoje (vá lá, dizem que é a modernidade) o ar do Brasil e do Mundo está muito viciado, quase irrespirável, tanto que até já desliguei a tevê quando começou o jornal da noite com seu desfile de notícias sórdidas e deprimentes. E o pior é que tudo só tende a piorar. Mas, como dizia o Ibraim Sued, cavalo não desce escada e ademã que vamos em frente, igualzinho ao Fusca do Itamar Franco, aquele falecido presidente do escândalo da ausência de calcinha da Lilian Ramos no camarote presidencial do Carnaval carioca de 1994 – lembram? – e que hoje renderia muitos “memes” e insultos irados nas redes sociais. Na época, só ríamos e não se excluía ninguém do Face por causa disso.
·         Neste instante acabei de ler que um jovem universitário morreu ao cair de um andaime, em uma boate de Brasília. O que ele fazia ali? Ora, estava tirando uma “selfie”!  Li no UOL: a tal selfie mata mais do que os hipopótamos e os crocodilos da África somados. Como dizia o Barão do Itararé sobre o Estado Novo – “o Estado Novo é o estado a que chegamos”. Ou como Manuel Bandeira – “viver (hoje) é muito dificultoso”.

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