Charge de Reinaldo, retirada da Internet. |
Conselheiro X
Nunca fui noveleiro – na real, acho que só assisti, e não
toda, a velha Irmãos Coragem, a original, com Tarcísio Meira e Glória Menezes e
a Regina Duarte (mais o Cláudio Marzo, o Cláudio Cavalcanti etc) quando era bem
menino. Morávamos no mato, mato mesmo – em reserva indígena da Funai, aqui
mesmo no RS, lá por 71 – e meu pai havia acabado de comprar uma televisão
(preto e branco, com válvulas, botão de vertical, horizontal, cor, era o que
havia) e ver tevê, naquela época, tinha todo o encantamento que não tem hoje.
Televisão era algo caro naqueles primórdios, e o velho a
comprou em 20 prestações, vejam só. Até hoje a música tema da novela de Janete
Clair -“irmão, é preciso coragem!” – permanece na minha mente como uma espécie
de delicioso hit. À tarde havia, na TV
Gaúcha, a única captada naqueles cafundós, a Sessão das Duas, com filmes de
aventura, sem falar nos seriados como Nacional Kid, Zorro, Bat Masterson,
Guerra Sombra e Água Fresca, Tarzã. Desses tempos da pedra lascada outra música
que me ficou foi a do Bat Masterson: “No velho oeste ele nasceu/ e entre bravos
se criou...”
Mas falei em novelas, e voltemos a elas, hoje tão
sofisticadas e com tramas intrincados, com um inegável padrão de qualidade que
só a Globo sabe dar e que tornou a emissora famosa no mundo inteiro justamente
por sua teledramaturgia. Como disse, mesmo sem ser noveleiro (nada contra quem
é, claro) às vezes faço umas paradinhas para ver determinadas cenas, e foi
assim que passei a dar umas vislumbradas em Verão 90, novela situada,
obviamente, nos anos noventa e que, diz o Ibope, está dando uma excelente
audiência para a Globo no horário que antecede o Jornal Nacional. Ontem,
sábado, vi quase um capítulo inteiro, e achei uma delícia, pois as cenas se
passavam em uma festa típica daquela década, em uma boate, e a rapaziada curtia
todos os sucessos da época, incluindo aí Tim Maia, Cazuza, o pagode, o rock
nacional inteirinho – foi como viajar no tempo através da trilha sonora, com
direito a referências a filmes de então – “hasta la vista, bêibi”, lembram?, do
Exterminador do Futuro (quem não disse essa frase...) As roupas da moda, a
alegria da garotada, a visão do velho três-em-um, o toca-fitas, as câmeras
fotográficas com filme, de repente eu – que não sou saudosista – entrei no
túnel do tempo e voltei aos meus 30, trinta e poucos anos.
Aí pensei o que achava impensável e até meio piegas: será que
nós éramos felizes e não sabíamos? Ou até sabíamos? Afinal, já se passaram mais
de duas décadas, e veio uma nova geração, outra se encaminha por aí, geração
tecnológica até a medula, com seus tablets, notebuques, uatzap, feicebuque,
aplicativos, instagram, selfis, tuíter, gugol, o escambau, uma gente que
caminha pelas ruas olhando hipnoticamente para as telinhas, teclando mensagens,
recebendo fotos, vídeos e nudes instantâneos, e que sequer imagina que houve
sim um tempo, naquelas hoje priscas eras, em que se saía de casa sem celular,
sem tablets, simplesmente porque não havia celular e nem internet. Para estes
infantes da telinha azul é difícil, quase incrível, inverossímil até, acreditar
que existiu essa nossa era pré-tecnológica em que os celulares não tocavam nas
boates e nas ruas, como para nós era igualmente difícil imaginar o mundo de
nossos pais, sem televisão, com homens que só andavam de sapato e usavam
chapéus e ouviam rádios de ondas curtas. Um tempo, o nosso, em que saíamos às
ruas e ninguém nos achava – e nem, como hoje, precisávamos mentir onde
estávamos ou não – e os telefones fixos e os orelhões públicos eram a única
forma de comunicação instantânea (pasmem, existiu também uma profissional
chamada “telefonista”, extinta como os dinossauros e o homem de Neandertal) e –
em vez do buscador do tio Google consultávamos a lista telefônica para
encontrar o nome, o endereço e o número de qualquer sujeito que fosse assinante
da CRT. Luís Fernando Veríssimo? Tava lá: rua Felipe de Oliveira, 1415.
Falei na novela Verão 90, e de certa forma me encontrei ali,
ao ver as cenas em que ninguém fala ao celular e é tudo olho no olho e se
conversa muito, cara a cara, olho no olho, sem perfil falso. Foi, confesso, aí
que me bateu uma certa onda de saudosismo meio besta e demodê, o que me
reportou o seguinte raciocínio pouco lógico: posso estar viajando no patê de
galinha, mas acho que nós, naquela época, éramos menos ansiosos, mais
tranquilos e calmos e o próprio tempo passava mais devagar, não havia esse turbilhão de informações de
2019 e que hoje nos desnorteiam a cada instante. Aliás, estudos médicos
comprovam que a rapaziada que passa o dia na frente do computador, teclando, acessando
e falando com tudo e com todos, é muito mais ansiosa e talvez até bem mais
infeliz e deprimida do que nós fomos. Mais sério ainda é o caso das crianças,
sobretudo as de apartamento – estão ficando gordas e ansiosas também, expostas
a esse redemoinho de informações, dormindo cada vez menos e passando por vezes
noites inteiras na frente de uma telinha.
De certa maneira, é contraditório estar usando a Internet para
dizer isso, e reclamar da tecnologia se valendo dela, mas na verdade não resta
agora outra opção. A propósito: esses
dias fui até um grande jornal aqui de POA e fiquei de longe olhando o pessoal
da redação, tão silenciosa, tão inodora, insípida e incolor, com todos eles,
jornalistas, homens e mulheres (hoje mais mulheres que homens) fechados em suas
próprias redomas, sem aquela alegria que tínhamos ao fazer uma boa matéria –
nem falo do incrível e barulhento tempo das máquinas de escrever no horário de
fechamento, quando havia uma espécie de transe enlouquecedor que depois se
resolvia com os mais afins rumando para um buteco eleito e comentando o que
tinham feito naquele dia. Hoje, pelo que eu sei, os jornalistas saem da redação
e vão para a academia – é bem mais saudável, é verdade, mas...
Pois é, falando em mas, poréns, todavias, acho que vou
continuar, sim, assistindo essa novelinha da Globo e ouvindo “o tempo não para”
do Cazuza ou “inúteis, nós somos inúteis” (e será que não somos?). Todavia,
seria bom que ele, o Tempo, parasse um pouco, um pouquinho só, lá de vez em
quando, ao menos dava uma folga para a gente respirar ares mais puros e
saudáveis. Hoje (vá lá, dizem que é a modernidade) o ar do Brasil e do Mundo está
muito viciado, quase irrespirável, tanto que até já desliguei a tevê quando
começou o jornal da noite com seu desfile de notícias sórdidas e deprimentes. E
o pior é que tudo só tende a piorar. Mas, como dizia o Ibraim Sued, cavalo não
desce escada e ademã que vamos em frente, igualzinho ao Fusca do Itamar Franco,
aquele falecido presidente do escândalo da ausência de calcinha da Lilian Ramos
no camarote presidencial do Carnaval carioca de 1994 – lembram? – e que hoje
renderia muitos “memes” e insultos irados nas redes sociais. Na época, só
ríamos e não se excluía ninguém do Face por causa disso.
·
Neste instante acabei de ler que um
jovem universitário morreu ao cair de um andaime, em uma boate de Brasília. O
que ele fazia ali? Ora, estava tirando uma “selfie”! Li no UOL: a tal selfie mata mais do que os
hipopótamos e os crocodilos da África somados. Como dizia o Barão do Itararé
sobre o Estado Novo – “o Estado Novo é o estado a que chegamos”. Ou como Manuel
Bandeira – “viver (hoje) é muito dificultoso”.
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