domingo, outubro 19, 2008
28 de julho de 1950: o Constellation da Panair do Brasil cai com a elite da sociedade gaúcha
A beleza de Lígia Dorneles Franciosi |
Morro do Chapéu: palco da tragédia que abalou o Rio grande, há 58 anos. Nas fotos abaixo, um modelo Constellation, igual ao que se acidentou em 28 de julho, e uma das vítimas: Lígia Dornelles Franciosi. . E Brasiliano de Moraes, uma das vítimas, hoje nome de avenida em Porto Alegre. E, no álbum familiar, a menina Nora Helena com uma irmã e a mãe - ela tinha um diário. O acidente foi a maior tragédia aérea brasileira na primeira metade do século XX, conforme noticiou o Correio do Povo. Acima, reproduções do Diário de Notícias.
O Constellation, com quatro motores, tinha forma de golfinho e era considerado o mais belo, elegante e seguro avião da época. Depois surgiram os Super Constellation, com mais de 100 lugares a bordo. |
O jornalista Job, jovem de vinte e poucos anos, era o assessor de imprensa de Salgado Filho e filho de outro conhecido jornalista e homem do futebol, um dos organizadores da Copa de 1950. |
Vitor Minas, exclusivo para O Felizardo.
* Fonte de pesquisa: Correio do Povo, Diário de Notícias, O Cruzeiro e Folha da Tarde.
No dia 28 de julho de 1950, uma sexta-feira chuvosa em Porto Alegre e região, um “pavoroso acidente” aéreo, como noticiaram os jornais, enlutaria a Capital gaúcha: a queda do Constellation da Panair do Brasil matou 51 pessoas, quase todas pertencentes à “nata da sociedade” porto-alegrense. Morreram nomes como Maisonave, Berta, Darrigo, Aita, Blessmann, Rothfuchs, Zaducliver, Dietrich, Fernandes, Frota. Morreram industriais, comerciantes do “alto comércio”, senhoras que freqüentavam colunas sociais, importantes funcionários públicos, políticos – alguns dos quais são hoje nome de ruas e avenidas. Menos de dois dias depois, na noite de domingo, outro desastre aéreo chocaria o Rio Grande do Sul e o Brasil: a morte do senador Salgado Filho, no domingo, matando outras dez pessoas. Salgado, candidato ao governo do Estado nas eleições que se avizinhavam, seguia para a fazenda do Itu, em Itaqui, onde se encontraria com Getúlio Vargas - que voltaria ao poder nas eleições daquele ano, desta vez pelo voto direto. As bruxas estavam soltas nos céus do Rio Grande.
A tragédia do Constellation – o mais luxuoso avião de carreira de então – consternou uma cidade de cerca de 400 mil habitantes cujo aeroporto de São João não passava de um simples campo de pouso que recebia, entre embarques e desembarques, 16 mil pessoas ao mês, com um movimento de menos de mil aeronaves. Mesmo assim era o terceiro aeroporto mais importante do país. O acidente da Panair mostrou a precariedade de suas instalações e tornou flagrante a necessidade de um novo “aeródromo”.
Foi a maior tragédia aérea daquela primeira metade do século XX no Brasil. Para nos situarmos no tempo: 1950 foi um ano agitado na política nacional, o ano das eleições que reconduziram Getúlio Vargas ao Catete, na então Capital Federal, a “Cidade Maravilhosa”, o Rio de Janeiro, onde o general Eurico Gaspar Dutra ainda governava. A campanha eleitoral estava iniciando naquele mês de julho e somente em agosto Gegê faria o seu primeiro comício em Porto Alegre, vindo da Fazendo do Itu, o seu retiro depois que fora apeado do poder. O governador gaúcho era Walter Jobim, cujas obras de eletrificação se tornaram vitais para a modernização do Estado. O prefeito, Ildo Meneghetti, mais tarde se tornaria governador. Em São Leopoldo, Mário Sperb comandava a municipalidade. Já o noticiário internacional descrevia o início da Guerra da Coréia, com o avanço dos coreanos do norte sobre o sul, derrotando as forças norte-americanas que apoiavam o regime sulista. A Guerra Fria estava no seu auge, e temia-se até mesmo um confronto nuclear com a Rússia.
Em julho, porém, o futebol era o principal assunto – a primeira Copa do Mundo depois do final da Segunda grande Guerra aconteceu no Brasil e, em junho, havia sido inaugurado o maior estádio do mundo, o Maracanã, palco de uma outra tragédia – a derrota do Brasil para o Uruguai e o choro de toda uma nação. Para o Rio rumaram milhares de pessoas, a fim de assistir os jogos e curtir as delícias de uma cidade ainda encantadora, com suas belas praias e agitada vida noturna. Bem mais modesta, Porto Alegre ainda tinha “footings” na rua da Praia, automóveis Buick e Studebaker e muitos cinemas no centro e nos bairros. Naquele dia, por exemplo, as páginas do Correio do Povo anunciavam para segunda-feira a estréia das películas “Traidor”, com Robert Taylor e Elisabeth Taylor, no cine Carlos Gomes, e “Beijou-me um bandido”, em “technicolor”, com Ricardo Montalban, Ann Miller e Cid Charisse, este no Imperial, a “mais luxuosa casa de espetáculos”, na rua da Praia.
Em uma época em que não havia estradas pavimentadas, e a BR-101 não existia nem mesmo em sonho, viajava-se de navios – uma viagem longa, que demorava dias. Ou então de avião, de preferência na Panair do Brasil, a maior e melhor companhia aérea de então. Viajar para o interior do Estado também não era uma tarefa fácil. Os ônibus percorriam estradas carroçáveis, atolavam com freqüência e demoravam dolorosas horas para chegar aos seus destinos. A empresa leal anunciava sua viagem de Guaporé a Porto Alegre com “saídas às segundas e quintas-feiras, às 10h15min”, “viagens em modernos ônibus tipo Gostosão”.
SEXTA-FEIRA CHUVOSA – Na sexta-feira, 28 de julho de 1950, chovia insistentemente em Porto Alegre e região, um tempo ruim que era agravado pelo nevoeiro em determinadas regiões. No Rio de Janeiro, o Constellation de prefixo PP-PCG da Panair deveria partir às 9h30min com destino à Capital gaúcha, uma viagem de de três horas, sem escalas, às terças e sextas, até o chamado aeroporto da Air France, em Gravataí, o único em condições de receber aeronaves desse porte.
No início da manhã, no entanto, os passageiros foram comunicados que o embarque só aconteceria pela tarde, não explicando exatamente os motivos. No comando da aeronave estava o comandante Eduardo Martins de Oliveira, o célebre Edu, uma conhecida figura da sociedade carioca que integrava o não menos célebre Clube dos Cafajestes criado por Carlinhos Niemayer. O Clube se notabilizava por suas extravagâncias boêmias, pela vida “dissoluta” e pelas bebedeiras homéricas em que seus membros pregavam peças memoráveis uns nos outros – e em qualquer outra pessoa também.
O comandante Edu pilotava uma aeronave que fez história na aviação mundial. O Constellation, movido a hélice, com quatro motores, foi fabricado pela empresa Lockheed da Califórnia, tanto para fins civis como militares. Aeronave presidencial do presidente Eisenhower, foi o primeiro avião pressurizado de grande uso, distinguindo-se também pelo conforto, o que fez com que fosse adquirido por companhias como a Pan American, a Air France, a Lufthansa, a Varig, a Real, entre outras. Externamente tinha a forma graciosa de um golfinho.
Quanto à Panair do Brasil, notabilizou-se como uma das empresas pioneiras na aviação comercial brasileira, a qual dominou durante décadas. Pertencente à companhia Pan American, aos poucos foi sendo vendida a empresários brasileiros. Deixou saudades, até o seu término, em 1965, inspirando inclusive uma música cantada por Elis Regina: “A primeira Coca-Cola, me lembro muito bem, foi nas asas da Panair”. A canção é de Milton Nascimento e Fernando Brandt. A Panair acabou durante o regime militar, aparentemente uma conspiração comercial capitaneada por figurões do regime e pele direção da concorrente Varig.
No dia anterior e na manhã daquela sexta-feira, 28, uma das passageiras do Constellation, a menina Nora Helena Fernandes, de 14 anos, aluna do colégio Bom Conselho – que retornava com toda a sua família das férias no Rio – escreveu em seu diário: “Dia 27 – Foi o dia mais formidável do mundo. Fiz passeios, apreciei pela última vez a maravilhosa viagem que fiz a esta encantadora cidade, e aprontei as malas para voltar ao Rio Grande e rever minhas amiguinhas. Estou louca de saudade.”
“Dia 28 – Hoje é a viagem de volta. A saída estava marcada para as 8 horas da manhã, levantamo-nos às 6h30min, porém às 7 horas fomos avisados de que o avião só sairia às 13 horas. O vovô fez tudo o que pôde para conseguir passagem no Constellation, mas mesmo apesar da “boa vontade” dos serventes da Panair nada foi possível fazer, de sorte que ele teve que ficar no OK.”
“Às 13 horas recebemos novamente aviso de que o avião só sairá às 14 horas.”
Mais tarde, escreveu ainda em seu diário, já dentro do avião: “Agora são 18h15min. Já...”
Mais não se pode ler, estava queimado: o diário de Nora Helena foi encontrado entre os destroços fumegantes da aeronave.
MORRO DO CHAPÉU – Pelo que se sabe, o Constellation – que partiu do Rio às 15h20min – aproximou-se de Porto Alegre às 18h15min, quando a noite de inverno já envolvia a cidade.
Chovia torrencialmente naquele momento – e isso significava sérios problemas de visibilidade. Por duas vezes o piloto tentou aterrissar no aeroporto de Gravataí, da Air France, que não contava sequer com radar, o que impedia visualizar as aeronaves.Mas era assim em todo o Brasil naquela época heróica da aviação.
Ao que tudo indica, houve problemas no rádio – talvez a bordo, talvez na torre. O comandante Edu, por duas vezes, tentou comunicar-se com a torre do aeroporto, e não obteve resposta. Em seguida, entrou em contato com a estação da Panair, alertando que os controladores de vôo não contestavam as suas mensagens. A Panair, por sua vez, interpelou a torre, a qual informou que era o PP-PCG que não a ouvia, o que explica a insistência do piloto em aterrissar em Porto Alegre e não – como seria recomendável – dar a meia-volta e retornar ao Rio de Janeiro ou procurar novo aeroporto. “Essa, ao que parece, a origem da tragédia, que a chuva, o teto baixo, a pouca visibilidade, transformaram em destruição e morte”, escreveu mais tarde o jornal Correio do Povo.
Por duas vezes o comandante Edu tentou em vão aterrissar, aproximando-se da pista única e em seguida arremeteu. Provavelmente, na tentativa de voltar para o Rio de Janeiro, voando a baixa altitude, na altura de São Leopoldo, o avião chocou-se contra o Morro do Chapéu, a pouco mais de 10 quilômetros da cidade, no sétimo distrito de São Leopoldo, Sapucaia, que ainda não era município (emancipou-se de SL somente em 1961). A explosão jogou pedaços da aeronave a quilômetros de distância e pedaços de corpos foram achados a cerca de 2 mil metros, totalmente calcinados. Hoje mais conhecido como Morro Sapucaia, o Morro do Chapéu é, atualmente, local de esportes radicais e detem a condição de ponto culminante do município, com 295 metros de altitude.
Uma testemunha, o agricultor João Raimundo da Silva, que residia nas imediações, testemunhou o acontecido. Ele estava em sua casa, tomando chimarrão, junto com a esposa – que, por sua vez, preparava o jantar – e ouviu o ruído de um avião que passava a baixa altitude. Ao correr até a porta, observou que a aeronave, após uma manobra, colidiu e explodiu contra o Morro do Chapéu, justamente onde existe uma abertura entre duas grandes pedras. O agricultor anotou o horário – eram precisamente 19h25 min.
A CIDADE ANGUSTIADA – Junto com mais dois vizinhos, João Raimundo seguiu imediatamente em direção ao local, ao qual chegaram depois de mais de uma hora de caminhada. Lá encontraram, junto aos destroços fumegantes, três corpos das vítimas. Em seguida chegaram outras pessoas, além das primeiras equipes de resgate, acompanhadas de repórteres e fotógrafos dos jornais da Capital.
Nessas alturas os boatos de que um grande avião havia caído nas proximidades de Esteio ou de São Leopoldo já havia alarmado Porto Alegre. O escritório da Panair do Brasil, na rua da Praia, encheu-se de pessoas angustiadas – familiares, amigos e conhecidos dos passageiros do Constellation, ansiosos por notícias. Em São Leopoldo – onde a agitação era ainda maior, com grupos se formando nas esquinas e bares para saber e comentar o assunto.
As turmas de resgate – militares, policiais, médicos, enfermeiros, voluntários, curiosos, repórteres – que seguiram para o local da tragédia seguiam por caminhos íngremes, escuros, tortuosos e escorregadios, abaixo de uma chuva inclemente. Eles foram guiados pelo agricultor Emilio Cassel, um dos proprietários daquelas terras e conhecedor da área. A caravana – com muitos jipes militares – levou mais de uma hora para alcançar o Morro do Chapéu, onde enormes labaredas ainda se alteavam contra o céu escuro. No topo do morro foram encontrados quatro corpos – duas mulheres, um homem e uma criança. Junto ao corpo da moça – que não apresentava tantas queimaduras – estava um exemplar do livro “Corrente”, do escritor austríaco Stefan Zweig, conforme anotou o repórter do Correio do Povo. A forte cerração atrapalhava a visibilidade, o que só foi possível solucionar com os poderosos geradores de eletricidade e refletores trazidos pelos militares do Décimo Nono Regimento de Infantaria de São Leopoldo. Os praças imediatamente fizeram um cordão de isolamento. No comando da operação estava o coronel Olimpio Mourão Filho – que, em 1964, saindo de Juiz de Fora com suas tropas rumo ao Rio de Janeiro, deflagraria o Movimento militar que depôs o presidente João Goulart. Também estava presente – orientando o resgate – o major Jefferson Cardim de Alancar Osório, comandante do primeiro Batalhão do Sexto Regimento de Obuses 105. Os repórteres, em não menores dificuldades, tiveram que abandonar seus veículos e fazer cerca de cinco quilômetros a pé, passando por chácaras e peraus, para alcançar o morro.
O acesso era feito pela estrada que ligava a Fazenda São Borja a Esteio. Ao chegarem ao local, encontraram enormes labaredas e muita fumaça.
VOANDO BAIXO - Mais tarde, a perícia – a precária perícia da época – apuraria que o acidente poderia ter sido evitado se o piloto tivesse elevado a aeronave cerca de cinco ou seis metros, o que faria com que conseguisse passar sobre o morro, sem nada acontecer. A conclusão baseou-se, sobretudo, no fato do piloto Edu ter sido encontrado em bem melhores condições do que os dos demais passageiros e tripulantes (mesmo assim, foi identificado por um irmão, que reconheceu uma marca de bala que o atingira na perna, anos antes). Por sua vez, os motores também estavam pouco avariados. Combinadas, as duas evidências indicavam que o comandante do avião avistou o morro não muitos metros à sua frente e tentou, em vão, desviá-lo. O avião provavelmente estava a cerca de 400 quilômetros horários naquele momento, o suficiente para causar a explosão que iluminou a noite chuvosa, o “clarão sinistro”.
Quanto à opinião de alguns moradores, que observaram o avião passar, momentos antes da tragédia – esta foi renegada por um técnico em aviação, morador de São Leopoldo, entrevistado pelo Correio do Povo, ele próprio testemunha ocular da passagem do Constellation. Tais pessoas afirmaram ter visto línguas de fogo saindo da aeronave, segundo antes da queda e da explosão, o que indicaria fogo a bordo. O técnico – não identificado pelo jornal – garantiu que os motores funcionavam normalmente. Segundo ele, a impressão de que o avião estivesse pegando fogo devia-se ao fato de que, à noite, são visíveis as línguas de fogo expelidas pelos tubos de descarga.
A tragédia do Constellation da Panair, naturalmente, consternou o Brasil e foi notícia no mundo inteiro. No dia seguinte, sábado, 29, o Correio do Povo – o maior jornal do Sul de então – saiu com a seguinte manchete em sua contracapa (a primeira página, tradicionalmente, era dedicada a assuntos internacionais e notícias políticas); “A Maior Tragédia Aérea do Brasil”. Abaixo, escreveu: “Coube ao Rio Grande do Sul o triste privilégio de registrar o maior e mais trágico desastre da história da aviação brasileira”, informando em seguida que “a tragédia está consternando a cidade e o Estado”.
A provinciana Porto Alegre, onde todos – pelo menos do mesmo círculo social – se conheciam e conviviam, centrou todas as suas atenções no acontecido, assunto de todas as rodas de conversa e aglomerações nas ruas, cafés e bares. Comparada a ela, a recente tragédia com o avião da TAM no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, é café pequeno. No Constellation da Panair viajava a nata da sociedade local, nomes conhecidos do mundo dos negócios, da política, figurões da sociedade, famílias cujos nomes frequentavam as colunas sociais.
O número de vítimas também era impressionante, para a época – mais de 50. Nos dias seguintes o Rio Grande do Sul estaria de luto, e as páginas do jornais s encheram de fúnebres convites para enterros. O governador Walter Jobim decretou luto oficial de três dias no Estado e o arcebispo de Porto Alegre, D. Vicente Scherer, afirmou: “Vive o Rio Grande do Sul horas cruéis, e de um extremo a outro de suas fronteiras ouvem-se exclamações de dor e pesar”. Na segunda-feira, na Catedral Metropolitana, totalmente lotada, ele celebrou uma missa em homenagem aos mortos. Escreveu o Correio do Povo: “O grande templo encheu-se de tudo o que é mais representativo da sociedade local, em seus vários ramos de atividades, vendo-se ainda altas autoridades civis, militares e eclesiásticas, bem como representantes de entidades”.
A NATA DA SOCIEDADE - Não era para menos. Entre as 51 vítimas fatais, estavam nomes como o coronel Guarany Frota, sua esposa Maria Antonieta e sua filha Rosa Yara, de 18 anos. Também José Carlos Berta, a esposa Júlia Blessman Berta e o filho José luiz, de 12 anos. Outras vítimas: Tucídides Lopes e a esposa Teodora. Valdomiro Graeff, Balduíno D’Arrigo e Ceci D’Arrigo, José Maia Filho, Brasiliano de Moraes, João Rocha Fernandes, a esposa e mais três filhas; Carmen Rothfuchs, Lígia Dornelles Franciosi, Coracy Prates da Veiga e Alice Veiga; Ilze Krause Dietrich e as filhas Yara, de 9 anos, e Yone, de cinco. Mais: Otávio José da Silveira, Pedro Gay e Maria Gay, Vitória Fabret, Shirlei Tavares, Paulo Vitório Nocchi, Edmundo Pereira Paiva, Valentina Pereira Paiva, Sílvia Giaconni, Irmã Valiera, Francisco Bruni, Sadi Maisonave, Maurício Zaducliver, Luiza e Ieda Zaducliver, Manoel Maltz, Adílio Pessoa da Cunha, Janir Aita, Ralph Montley. Morreram ainda, além do comandante Edu Martins de Oliveira, o co-piloto Domenico Guirlanda Sávio e os mecânicos Álvaro Tavares de Araújo e Alfredo Fernandes Soares, mais do comissário De Rose Viote Pinheiro, a aeromoça Maria Helena Murrai Rivas e o rádio-operador Paulo Figueiredo Ramos.
O caso mais trágico era o da família Rocha Fernandes, que pereceu totalmente no acidente: o Dr. João Rocha Fernandes, químico do Departamento Estadual de Saúde, 47 anos, a esposa Carmen, 40, esta filha de Emílio Rothfuchs, diretor-presidente da empresa H. Theo Moeller, além das filhas Carmen Sílvia, 18, primeiro-anista de Química Industrial, sua irmã Nora Helena, 14 anos, e Iliana Amázia, 13, ambas alunas do colégio Bom Conselho. Já a família Dietrich perdeu Ilze Dietrich, 34 anos, e as filhas Iara e Ione.
Aos poucos surgiam as histórias pessoais que emocionavam os leitores dos jornais.
Uma das vítimas mais ilustres, o engenheiro José Maia Filho, um sergipano que já se considerava gaúcho, era chefe do distrito gaúcho do Departamento Nacional de Obras de Saneamento e responsável pela conclusão das barragens do Salto e Capingui. Também trabalhou no cais de Navegantes e fez a drenagem dos banhados do Taim, entre outras obras, o que incluía o prosseguimento dos trabalhos contras as enchentes que então assolavam Porto Alegre. Ele fora ao Rio de Janeiro a fim de assistir a abertura da concorrência pública para a construção da Barragem do Salto Grande, no rio Jacuí, “obras destinada a assinalar uma época no desenvolvimento econômico e social do Estado” (C.Povo). Maia Filho deixou esposa e três filhos pequenos, e seu féretro teve a presença do governador Jobim e do prefeito Ildo Meneguetti.
Já Thucydides Lopes, de tradicional família porto-alegrense, chefiava o Departamento de Portos, Rios e Canais, DEPREC, na cidade de Rio Grande, onde residia. . Ao lado da esposa, Teodora, havia seguido ao Rio de Janeiro a bordo do navio Itaiti, com passagem de ida e volta, pois sua esposa tinha horror a voar, temendo que, quando o fizesse, viesse a morrer. Com muito custo, ele conseguiu demovê-la da ideia de voltar de navio, enaltecendo a segurança do Constellation. Edmundo Pereira Paiva, por sua vez, foi, por um tempo, subgerente do jornal Diário de Notícias, e sua mulher, Vicentina, exercia o professorado no Colégio Americano. Coracy Veiga, delegado regional do Instituto de Aposentadoria e Pensões de Transporte e Cargas, IAPETEC, descendia de uma tradicional família de Viamão, onde já fora vereador. De igual forma, Brasiliano Índio do Rio Grande de Moraes era delegado regional do IAPI, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários. Manoel Maltz distinguia-se por ser um comerciante de sucesso, com várias casas no ramo de armarinhos situadas no centro de Porto Alegre. Já Francisco Godoy fazia parte da alta diretoria da empresa Moinhos Rio-Grandenses. Maurício Zaducliver, muito ligado aos esportes – ele morreu com a mulher e uma filha – fora presidente do Sport Clube Cruzeiro até o ano anterior.
LIÇÕES DA TRAGÉDIA - José Carlos Berta – que pereceu ao lado da esposa Júlia e do filho José Luis – pertencia ao “alto comércio”, integrava a Associação Comercial de Porto Alegre e era genro do diretor da Faculdade de Medicina, Guerra Blessmann. Não menos importante, Sady Maisonave, estava na Capital Federal a negócios. Ele havia sido síndico da Bolsa de Fundos Públicos e militava no Rotary Club. Valdomiro Graeff, médico, era irmão do deputado Victor Graeff, de Carazinho.
Outra vítima conhecida, o coronel Guarani Frota, exercia a função de professor da Escola Preparatória de Cadetes. Com ele morreram a esposa Maria Antonieta e a filha Rosa, de 13 anos.
Quatro das vítimas do acidente procediam de Caxias do Sul: Balduíno D’Arrigo e sua esposa Ceci, mais as professoras Irmã Valiera e Silvia Jaconi. Balduíno, Promotor de Justiça, havia sido presidente do Clube Juventude.
A tragédia do Constellation suscitou sérias críticas à precariedade da infra-estrutura que assistia a aviação brasileira. A necessidade de um novo aeroporto civil para Porto Alegre foi seriamente debatida – o São João era considerado, além de precário, ultrapassado. Mesmo assim era o terceiro aeroporto do País em movimento e importância.
“O estado lastimável das pistas do São João, insuficiente para aviões de grande porte, semeado de profundos buracos, que as chuvas empoçam e ampliam, constitui ameaça constante à integridade das aeronaves, o que vale dizer perigo de vida para passageiros e pessoal de bordo”, escreveu o Correio do Povo, uma semana depois. “Já não é nenhum segredo, por outro lado, que o aeroporto de Gravataí ainda não dispõe dos meios técnicos adequados, indispensáveis a uma base civil internacional, em que são freqüentes os vôos noturnos”. Para se ter uma ideia, o aeroporto não contava sequer com um radar.
A queda do Constellation da Panair, com mais de meia centena de vítimas, ainda hoje é lembrada pela sociedade de Porto Alegre. Em 2007, o escritor gravataiense Abrão Aspis lançou o livro “Acidente no Morro do Chapéu”, relatando a tragédia.
Tragédia que aconteceu no dia 28 de julho de 1950, uma sexta-feira. Menos de 48 horas depois, o Rio Grande do Sul teria um novo choque: a queda do avião Lodestar que conduzia o ex-ministro da Aeronáutica, o então senador Salgado Filho. As bruxas estavam soltas. Mas isso é uma outra história.
A tragédia do Constellation – o mais luxuoso avião de carreira de então – consternou uma cidade de cerca de 400 mil habitantes cujo aeroporto de São João não passava de um simples campo de pouso que recebia, entre embarques e desembarques, 16 mil pessoas ao mês, com um movimento de menos de mil aeronaves. Mesmo assim era o terceiro aeroporto mais importante do país. O acidente da Panair mostrou a precariedade de suas instalações e tornou flagrante a necessidade de um novo “aeródromo”.
Foi a maior tragédia aérea daquela primeira metade do século XX no Brasil. Para nos situarmos no tempo: 1950 foi um ano agitado na política nacional, o ano das eleições que reconduziram Getúlio Vargas ao Catete, na então Capital Federal, a “Cidade Maravilhosa”, o Rio de Janeiro, onde o general Eurico Gaspar Dutra ainda governava. A campanha eleitoral estava iniciando naquele mês de julho e somente em agosto Gegê faria o seu primeiro comício em Porto Alegre, vindo da Fazendo do Itu, o seu retiro depois que fora apeado do poder. O governador gaúcho era Walter Jobim, cujas obras de eletrificação se tornaram vitais para a modernização do Estado. O prefeito, Ildo Meneghetti, mais tarde se tornaria governador. Em São Leopoldo, Mário Sperb comandava a municipalidade. Já o noticiário internacional descrevia o início da Guerra da Coréia, com o avanço dos coreanos do norte sobre o sul, derrotando as forças norte-americanas que apoiavam o regime sulista. A Guerra Fria estava no seu auge, e temia-se até mesmo um confronto nuclear com a Rússia.
Em julho, porém, o futebol era o principal assunto – a primeira Copa do Mundo depois do final da Segunda grande Guerra aconteceu no Brasil e, em junho, havia sido inaugurado o maior estádio do mundo, o Maracanã, palco de uma outra tragédia – a derrota do Brasil para o Uruguai e o choro de toda uma nação. Para o Rio rumaram milhares de pessoas, a fim de assistir os jogos e curtir as delícias de uma cidade ainda encantadora, com suas belas praias e agitada vida noturna. Bem mais modesta, Porto Alegre ainda tinha “footings” na rua da Praia, automóveis Buick e Studebaker e muitos cinemas no centro e nos bairros. Naquele dia, por exemplo, as páginas do Correio do Povo anunciavam para segunda-feira a estréia das películas “Traidor”, com Robert Taylor e Elisabeth Taylor, no cine Carlos Gomes, e “Beijou-me um bandido”, em “technicolor”, com Ricardo Montalban, Ann Miller e Cid Charisse, este no Imperial, a “mais luxuosa casa de espetáculos”, na rua da Praia.
Em uma época em que não havia estradas pavimentadas, e a BR-101 não existia nem mesmo em sonho, viajava-se de navios – uma viagem longa, que demorava dias. Ou então de avião, de preferência na Panair do Brasil, a maior e melhor companhia aérea de então. Viajar para o interior do Estado também não era uma tarefa fácil. Os ônibus percorriam estradas carroçáveis, atolavam com freqüência e demoravam dolorosas horas para chegar aos seus destinos. A empresa leal anunciava sua viagem de Guaporé a Porto Alegre com “saídas às segundas e quintas-feiras, às 10h15min”, “viagens em modernos ônibus tipo Gostosão”.
SEXTA-FEIRA CHUVOSA – Na sexta-feira, 28 de julho de 1950, chovia insistentemente em Porto Alegre e região, um tempo ruim que era agravado pelo nevoeiro em determinadas regiões. No Rio de Janeiro, o Constellation de prefixo PP-PCG da Panair deveria partir às 9h30min com destino à Capital gaúcha, uma viagem de de três horas, sem escalas, às terças e sextas, até o chamado aeroporto da Air France, em Gravataí, o único em condições de receber aeronaves desse porte.
No início da manhã, no entanto, os passageiros foram comunicados que o embarque só aconteceria pela tarde, não explicando exatamente os motivos. No comando da aeronave estava o comandante Eduardo Martins de Oliveira, o célebre Edu, uma conhecida figura da sociedade carioca que integrava o não menos célebre Clube dos Cafajestes criado por Carlinhos Niemayer. O Clube se notabilizava por suas extravagâncias boêmias, pela vida “dissoluta” e pelas bebedeiras homéricas em que seus membros pregavam peças memoráveis uns nos outros – e em qualquer outra pessoa também.
O comandante Edu pilotava uma aeronave que fez história na aviação mundial. O Constellation, movido a hélice, com quatro motores, foi fabricado pela empresa Lockheed da Califórnia, tanto para fins civis como militares. Aeronave presidencial do presidente Eisenhower, foi o primeiro avião pressurizado de grande uso, distinguindo-se também pelo conforto, o que fez com que fosse adquirido por companhias como a Pan American, a Air France, a Lufthansa, a Varig, a Real, entre outras. Externamente tinha a forma graciosa de um golfinho.
Quanto à Panair do Brasil, notabilizou-se como uma das empresas pioneiras na aviação comercial brasileira, a qual dominou durante décadas. Pertencente à companhia Pan American, aos poucos foi sendo vendida a empresários brasileiros. Deixou saudades, até o seu término, em 1965, inspirando inclusive uma música cantada por Elis Regina: “A primeira Coca-Cola, me lembro muito bem, foi nas asas da Panair”. A canção é de Milton Nascimento e Fernando Brandt. A Panair acabou durante o regime militar, aparentemente uma conspiração comercial capitaneada por figurões do regime e pele direção da concorrente Varig.
No dia anterior e na manhã daquela sexta-feira, 28, uma das passageiras do Constellation, a menina Nora Helena Fernandes, de 14 anos, aluna do colégio Bom Conselho – que retornava com toda a sua família das férias no Rio – escreveu em seu diário: “Dia 27 – Foi o dia mais formidável do mundo. Fiz passeios, apreciei pela última vez a maravilhosa viagem que fiz a esta encantadora cidade, e aprontei as malas para voltar ao Rio Grande e rever minhas amiguinhas. Estou louca de saudade.”
“Dia 28 – Hoje é a viagem de volta. A saída estava marcada para as 8 horas da manhã, levantamo-nos às 6h30min, porém às 7 horas fomos avisados de que o avião só sairia às 13 horas. O vovô fez tudo o que pôde para conseguir passagem no Constellation, mas mesmo apesar da “boa vontade” dos serventes da Panair nada foi possível fazer, de sorte que ele teve que ficar no OK.”
“Às 13 horas recebemos novamente aviso de que o avião só sairá às 14 horas.”
Mais tarde, escreveu ainda em seu diário, já dentro do avião: “Agora são 18h15min. Já...”
Mais não se pode ler, estava queimado: o diário de Nora Helena foi encontrado entre os destroços fumegantes da aeronave.
MORRO DO CHAPÉU – Pelo que se sabe, o Constellation – que partiu do Rio às 15h20min – aproximou-se de Porto Alegre às 18h15min, quando a noite de inverno já envolvia a cidade.
Chovia torrencialmente naquele momento – e isso significava sérios problemas de visibilidade. Por duas vezes o piloto tentou aterrissar no aeroporto de Gravataí, da Air France, que não contava sequer com radar, o que impedia visualizar as aeronaves.Mas era assim em todo o Brasil naquela época heróica da aviação.
Ao que tudo indica, houve problemas no rádio – talvez a bordo, talvez na torre. O comandante Edu, por duas vezes, tentou comunicar-se com a torre do aeroporto, e não obteve resposta. Em seguida, entrou em contato com a estação da Panair, alertando que os controladores de vôo não contestavam as suas mensagens. A Panair, por sua vez, interpelou a torre, a qual informou que era o PP-PCG que não a ouvia, o que explica a insistência do piloto em aterrissar em Porto Alegre e não – como seria recomendável – dar a meia-volta e retornar ao Rio de Janeiro ou procurar novo aeroporto. “Essa, ao que parece, a origem da tragédia, que a chuva, o teto baixo, a pouca visibilidade, transformaram em destruição e morte”, escreveu mais tarde o jornal Correio do Povo.
Por duas vezes o comandante Edu tentou em vão aterrissar, aproximando-se da pista única e em seguida arremeteu. Provavelmente, na tentativa de voltar para o Rio de Janeiro, voando a baixa altitude, na altura de São Leopoldo, o avião chocou-se contra o Morro do Chapéu, a pouco mais de 10 quilômetros da cidade, no sétimo distrito de São Leopoldo, Sapucaia, que ainda não era município (emancipou-se de SL somente em 1961). A explosão jogou pedaços da aeronave a quilômetros de distância e pedaços de corpos foram achados a cerca de 2 mil metros, totalmente calcinados. Hoje mais conhecido como Morro Sapucaia, o Morro do Chapéu é, atualmente, local de esportes radicais e detem a condição de ponto culminante do município, com 295 metros de altitude.
Uma testemunha, o agricultor João Raimundo da Silva, que residia nas imediações, testemunhou o acontecido. Ele estava em sua casa, tomando chimarrão, junto com a esposa – que, por sua vez, preparava o jantar – e ouviu o ruído de um avião que passava a baixa altitude. Ao correr até a porta, observou que a aeronave, após uma manobra, colidiu e explodiu contra o Morro do Chapéu, justamente onde existe uma abertura entre duas grandes pedras. O agricultor anotou o horário – eram precisamente 19h25 min.
A CIDADE ANGUSTIADA – Junto com mais dois vizinhos, João Raimundo seguiu imediatamente em direção ao local, ao qual chegaram depois de mais de uma hora de caminhada. Lá encontraram, junto aos destroços fumegantes, três corpos das vítimas. Em seguida chegaram outras pessoas, além das primeiras equipes de resgate, acompanhadas de repórteres e fotógrafos dos jornais da Capital.
Nessas alturas os boatos de que um grande avião havia caído nas proximidades de Esteio ou de São Leopoldo já havia alarmado Porto Alegre. O escritório da Panair do Brasil, na rua da Praia, encheu-se de pessoas angustiadas – familiares, amigos e conhecidos dos passageiros do Constellation, ansiosos por notícias. Em São Leopoldo – onde a agitação era ainda maior, com grupos se formando nas esquinas e bares para saber e comentar o assunto.
As turmas de resgate – militares, policiais, médicos, enfermeiros, voluntários, curiosos, repórteres – que seguiram para o local da tragédia seguiam por caminhos íngremes, escuros, tortuosos e escorregadios, abaixo de uma chuva inclemente. Eles foram guiados pelo agricultor Emilio Cassel, um dos proprietários daquelas terras e conhecedor da área. A caravana – com muitos jipes militares – levou mais de uma hora para alcançar o Morro do Chapéu, onde enormes labaredas ainda se alteavam contra o céu escuro. No topo do morro foram encontrados quatro corpos – duas mulheres, um homem e uma criança. Junto ao corpo da moça – que não apresentava tantas queimaduras – estava um exemplar do livro “Corrente”, do escritor austríaco Stefan Zweig, conforme anotou o repórter do Correio do Povo. A forte cerração atrapalhava a visibilidade, o que só foi possível solucionar com os poderosos geradores de eletricidade e refletores trazidos pelos militares do Décimo Nono Regimento de Infantaria de São Leopoldo. Os praças imediatamente fizeram um cordão de isolamento. No comando da operação estava o coronel Olimpio Mourão Filho – que, em 1964, saindo de Juiz de Fora com suas tropas rumo ao Rio de Janeiro, deflagraria o Movimento militar que depôs o presidente João Goulart. Também estava presente – orientando o resgate – o major Jefferson Cardim de Alancar Osório, comandante do primeiro Batalhão do Sexto Regimento de Obuses 105. Os repórteres, em não menores dificuldades, tiveram que abandonar seus veículos e fazer cerca de cinco quilômetros a pé, passando por chácaras e peraus, para alcançar o morro.
O acesso era feito pela estrada que ligava a Fazenda São Borja a Esteio. Ao chegarem ao local, encontraram enormes labaredas e muita fumaça.
VOANDO BAIXO - Mais tarde, a perícia – a precária perícia da época – apuraria que o acidente poderia ter sido evitado se o piloto tivesse elevado a aeronave cerca de cinco ou seis metros, o que faria com que conseguisse passar sobre o morro, sem nada acontecer. A conclusão baseou-se, sobretudo, no fato do piloto Edu ter sido encontrado em bem melhores condições do que os dos demais passageiros e tripulantes (mesmo assim, foi identificado por um irmão, que reconheceu uma marca de bala que o atingira na perna, anos antes). Por sua vez, os motores também estavam pouco avariados. Combinadas, as duas evidências indicavam que o comandante do avião avistou o morro não muitos metros à sua frente e tentou, em vão, desviá-lo. O avião provavelmente estava a cerca de 400 quilômetros horários naquele momento, o suficiente para causar a explosão que iluminou a noite chuvosa, o “clarão sinistro”.
Quanto à opinião de alguns moradores, que observaram o avião passar, momentos antes da tragédia – esta foi renegada por um técnico em aviação, morador de São Leopoldo, entrevistado pelo Correio do Povo, ele próprio testemunha ocular da passagem do Constellation. Tais pessoas afirmaram ter visto línguas de fogo saindo da aeronave, segundo antes da queda e da explosão, o que indicaria fogo a bordo. O técnico – não identificado pelo jornal – garantiu que os motores funcionavam normalmente. Segundo ele, a impressão de que o avião estivesse pegando fogo devia-se ao fato de que, à noite, são visíveis as línguas de fogo expelidas pelos tubos de descarga.
A tragédia do Constellation da Panair, naturalmente, consternou o Brasil e foi notícia no mundo inteiro. No dia seguinte, sábado, 29, o Correio do Povo – o maior jornal do Sul de então – saiu com a seguinte manchete em sua contracapa (a primeira página, tradicionalmente, era dedicada a assuntos internacionais e notícias políticas); “A Maior Tragédia Aérea do Brasil”. Abaixo, escreveu: “Coube ao Rio Grande do Sul o triste privilégio de registrar o maior e mais trágico desastre da história da aviação brasileira”, informando em seguida que “a tragédia está consternando a cidade e o Estado”.
A provinciana Porto Alegre, onde todos – pelo menos do mesmo círculo social – se conheciam e conviviam, centrou todas as suas atenções no acontecido, assunto de todas as rodas de conversa e aglomerações nas ruas, cafés e bares. Comparada a ela, a recente tragédia com o avião da TAM no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, é café pequeno. No Constellation da Panair viajava a nata da sociedade local, nomes conhecidos do mundo dos negócios, da política, figurões da sociedade, famílias cujos nomes frequentavam as colunas sociais.
O número de vítimas também era impressionante, para a época – mais de 50. Nos dias seguintes o Rio Grande do Sul estaria de luto, e as páginas do jornais s encheram de fúnebres convites para enterros. O governador Walter Jobim decretou luto oficial de três dias no Estado e o arcebispo de Porto Alegre, D. Vicente Scherer, afirmou: “Vive o Rio Grande do Sul horas cruéis, e de um extremo a outro de suas fronteiras ouvem-se exclamações de dor e pesar”. Na segunda-feira, na Catedral Metropolitana, totalmente lotada, ele celebrou uma missa em homenagem aos mortos. Escreveu o Correio do Povo: “O grande templo encheu-se de tudo o que é mais representativo da sociedade local, em seus vários ramos de atividades, vendo-se ainda altas autoridades civis, militares e eclesiásticas, bem como representantes de entidades”.
A NATA DA SOCIEDADE - Não era para menos. Entre as 51 vítimas fatais, estavam nomes como o coronel Guarany Frota, sua esposa Maria Antonieta e sua filha Rosa Yara, de 18 anos. Também José Carlos Berta, a esposa Júlia Blessman Berta e o filho José luiz, de 12 anos. Outras vítimas: Tucídides Lopes e a esposa Teodora. Valdomiro Graeff, Balduíno D’Arrigo e Ceci D’Arrigo, José Maia Filho, Brasiliano de Moraes, João Rocha Fernandes, a esposa e mais três filhas; Carmen Rothfuchs, Lígia Dornelles Franciosi, Coracy Prates da Veiga e Alice Veiga; Ilze Krause Dietrich e as filhas Yara, de 9 anos, e Yone, de cinco. Mais: Otávio José da Silveira, Pedro Gay e Maria Gay, Vitória Fabret, Shirlei Tavares, Paulo Vitório Nocchi, Edmundo Pereira Paiva, Valentina Pereira Paiva, Sílvia Giaconni, Irmã Valiera, Francisco Bruni, Sadi Maisonave, Maurício Zaducliver, Luiza e Ieda Zaducliver, Manoel Maltz, Adílio Pessoa da Cunha, Janir Aita, Ralph Montley. Morreram ainda, além do comandante Edu Martins de Oliveira, o co-piloto Domenico Guirlanda Sávio e os mecânicos Álvaro Tavares de Araújo e Alfredo Fernandes Soares, mais do comissário De Rose Viote Pinheiro, a aeromoça Maria Helena Murrai Rivas e o rádio-operador Paulo Figueiredo Ramos.
O caso mais trágico era o da família Rocha Fernandes, que pereceu totalmente no acidente: o Dr. João Rocha Fernandes, químico do Departamento Estadual de Saúde, 47 anos, a esposa Carmen, 40, esta filha de Emílio Rothfuchs, diretor-presidente da empresa H. Theo Moeller, além das filhas Carmen Sílvia, 18, primeiro-anista de Química Industrial, sua irmã Nora Helena, 14 anos, e Iliana Amázia, 13, ambas alunas do colégio Bom Conselho. Já a família Dietrich perdeu Ilze Dietrich, 34 anos, e as filhas Iara e Ione.
Aos poucos surgiam as histórias pessoais que emocionavam os leitores dos jornais.
Uma das vítimas mais ilustres, o engenheiro José Maia Filho, um sergipano que já se considerava gaúcho, era chefe do distrito gaúcho do Departamento Nacional de Obras de Saneamento e responsável pela conclusão das barragens do Salto e Capingui. Também trabalhou no cais de Navegantes e fez a drenagem dos banhados do Taim, entre outras obras, o que incluía o prosseguimento dos trabalhos contras as enchentes que então assolavam Porto Alegre. Ele fora ao Rio de Janeiro a fim de assistir a abertura da concorrência pública para a construção da Barragem do Salto Grande, no rio Jacuí, “obras destinada a assinalar uma época no desenvolvimento econômico e social do Estado” (C.Povo). Maia Filho deixou esposa e três filhos pequenos, e seu féretro teve a presença do governador Jobim e do prefeito Ildo Meneguetti.
Já Thucydides Lopes, de tradicional família porto-alegrense, chefiava o Departamento de Portos, Rios e Canais, DEPREC, na cidade de Rio Grande, onde residia. . Ao lado da esposa, Teodora, havia seguido ao Rio de Janeiro a bordo do navio Itaiti, com passagem de ida e volta, pois sua esposa tinha horror a voar, temendo que, quando o fizesse, viesse a morrer. Com muito custo, ele conseguiu demovê-la da ideia de voltar de navio, enaltecendo a segurança do Constellation. Edmundo Pereira Paiva, por sua vez, foi, por um tempo, subgerente do jornal Diário de Notícias, e sua mulher, Vicentina, exercia o professorado no Colégio Americano. Coracy Veiga, delegado regional do Instituto de Aposentadoria e Pensões de Transporte e Cargas, IAPETEC, descendia de uma tradicional família de Viamão, onde já fora vereador. De igual forma, Brasiliano Índio do Rio Grande de Moraes era delegado regional do IAPI, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários. Manoel Maltz distinguia-se por ser um comerciante de sucesso, com várias casas no ramo de armarinhos situadas no centro de Porto Alegre. Já Francisco Godoy fazia parte da alta diretoria da empresa Moinhos Rio-Grandenses. Maurício Zaducliver, muito ligado aos esportes – ele morreu com a mulher e uma filha – fora presidente do Sport Clube Cruzeiro até o ano anterior.
LIÇÕES DA TRAGÉDIA - José Carlos Berta – que pereceu ao lado da esposa Júlia e do filho José Luis – pertencia ao “alto comércio”, integrava a Associação Comercial de Porto Alegre e era genro do diretor da Faculdade de Medicina, Guerra Blessmann. Não menos importante, Sady Maisonave, estava na Capital Federal a negócios. Ele havia sido síndico da Bolsa de Fundos Públicos e militava no Rotary Club. Valdomiro Graeff, médico, era irmão do deputado Victor Graeff, de Carazinho.
Outra vítima conhecida, o coronel Guarani Frota, exercia a função de professor da Escola Preparatória de Cadetes. Com ele morreram a esposa Maria Antonieta e a filha Rosa, de 13 anos.
Quatro das vítimas do acidente procediam de Caxias do Sul: Balduíno D’Arrigo e sua esposa Ceci, mais as professoras Irmã Valiera e Silvia Jaconi. Balduíno, Promotor de Justiça, havia sido presidente do Clube Juventude.
A tragédia do Constellation suscitou sérias críticas à precariedade da infra-estrutura que assistia a aviação brasileira. A necessidade de um novo aeroporto civil para Porto Alegre foi seriamente debatida – o São João era considerado, além de precário, ultrapassado. Mesmo assim era o terceiro aeroporto do País em movimento e importância.
“O estado lastimável das pistas do São João, insuficiente para aviões de grande porte, semeado de profundos buracos, que as chuvas empoçam e ampliam, constitui ameaça constante à integridade das aeronaves, o que vale dizer perigo de vida para passageiros e pessoal de bordo”, escreveu o Correio do Povo, uma semana depois. “Já não é nenhum segredo, por outro lado, que o aeroporto de Gravataí ainda não dispõe dos meios técnicos adequados, indispensáveis a uma base civil internacional, em que são freqüentes os vôos noturnos”. Para se ter uma ideia, o aeroporto não contava sequer com um radar.
A queda do Constellation da Panair, com mais de meia centena de vítimas, ainda hoje é lembrada pela sociedade de Porto Alegre. Em 2007, o escritor gravataiense Abrão Aspis lançou o livro “Acidente no Morro do Chapéu”, relatando a tragédia.
Tragédia que aconteceu no dia 28 de julho de 1950, uma sexta-feira. Menos de 48 horas depois, o Rio Grande do Sul teria um novo choque: a queda do avião Lodestar que conduzia o ex-ministro da Aeronáutica, o então senador Salgado Filho. As bruxas estavam soltas. Mas isso é uma outra história.
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